sexta-feira, novembro 11, 2005

A questão do cidadão-jornalista

A expressão cidadão-jornalista surge quando um cidadão comum está onde um jornalista quereria estar, no tempo em que o jornalista deveria estar e perante um facto de irrefutável interesse jornalistico toma a iniciativa de o registar em memória digital ou humana, o que um jornalista gostaria de ter registado. Simplificando, generalizou-se a ideia de que quem regista um acontecimento imprevisto com o telemóvel ou qualquer dispositivo de que se faça acompanhar ascende automaticamente ao estatuto de cidadão-jornalista.

Todavia, quando se considera válido o termo cidadão-jornalista carimba-se entrada num universo muito escorregadio. Se uma pessoa que regista um acontecimento de valor jornalístico se torna um "cidadão-jornalista", então qualquer fonte de informação pode ser também considerada "jornalista". Assim, e sem pecar pelo exagero da generalização, qualquer pessoa é potencialmente um jornalista.

Não entrando pelo lado insultuoso da questão que essa premissa pode representar para a verdadeira comunidade jornalística, começa a perceber-se que uma testemunha circunstancial de uma qualquer ocorrência pode ser tida como jornalista tanto como um indivíduo que faz um curativo ser considerado médico. Ou seja, os dados recolhidos pelo "cidadão-jornalista" auxiliam clara e inequivocamente o trabalho jornalístico, no entanto, nunca podem substituí-lo ( por exemplo, as imagens amadoras recolhidas do maremoto no Índico em 2004, tiveram obviamente de ser enquadradas contextualmente e acompanhadas de informação tratada para terem o significado devido, não retirando obviamente o poder das imagens em si).

Neste ponto, já se percebe que o neologismo, mesmo antes de existir não faz sentido. Então se entrarmos no plano da responsabilidade que um jornalista tem perante a sociedade, mais ainda. Sendo o responsável pela transmissão de informação através dos meios de comunicação de massas, o jornalista deve estar preparado para receber, escolher (função de gatekeeper) e tratar a informação do modo mais isento e profissional possível. Estes requisitos não são, obviamente, procurados numa testemunha ocasional, mesmo que a iniciativa de registar determinados momentos seja útil e por vezes louvável. Logo, não é possível que um cidadão comum possa ser equiparado a um jornalista profissional.

Daqui pode partir-se para os estatutos e obrigações do jornalista. Tendo a carteira profissional, o jornalista compromete-se a respeitar os códigos ético e deontológico, o que também nunca se poderia exigir a uma pessoa comum. Mas a questão da carteira profissional revela-se bastante controversa no caso português, já que qualquer pessoa pode adquirí-la, sem ter completado um curso de jornalismo. Aliás, uma das ideias menos coerentes é a de que para se ser jornalista até é mais conveniente ter-se um canudo de direito. A partir daqui, em Portugal, o jornalismo é uma actividade profissional cujos limites não estão bem delineados. Logo, num contexto em que a profissão de jornalista não se pode considerar nem profissional (pelo facto do curso de jornalismo poder ser contornado), nem amadora (porque existem jornalista formados em jornalismo), talvez se pudesse por a hipótese da existência do tal cidadão-jornalista mas apenas e só neste panorama português.

Resumindo e concluindo, o conceito cidadão-jornalista, por melhor sonoridade que tenha é deveras descabido. Também o sendo a situação dos jornalistas em Portugal, que em grande parte se pode dever à ineficiência do Sindicato dos Jornalistas e à sentida falta de uma Ordem.

2 comentários:

Anónimo disse...

realmente o jornalista é uma coisa formidável, só é pena sujeitar-se aos grandes portões (big gate keepers) da empresa jornalistica. a ordem vai mesmo safar-te.
e que tal uma comissão de praxe

Anónimo disse...

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